Racionalidades em tensão: novo olhar sobre a gestão de pessoas em organizações militares
Força Aérea Brasileira; evasão de militares; identidade; racionalidades.
Nos últimos cinco anos, o aumento da evasão voluntária de militares concursados tem alterado o quadro de pessoal da Força Aérea Brasileira, tornando-a predominantemente composta por militares com vínculos temporários. Aliado a isso, os membros efetivos que se predispõem a permanecer no serviço ativo evidenciam menor qualificação profissional, fatos que somados impactam diretamente sua continuidade administrativa a longo prazo e o alcance de sua visão estratégica, ancorada na retenção de pessoal qualificado e comprometido. Com o intuito de compreender o que de fato influencia a evasão de militares de carreira nos níveis operacionais, esta pesquisa adota como método o estudo de caso organizacional, dentro de uma Escola Militar da FAB, e, de maneira complementar, o método biográfico, focando na voz dos próprios atores sobre o fenômeno. A metodologia qualitativa, fundamentada na abordagem multiparadigmática, integra elementos da perspectiva crítica reformista aliados à compreensão interpretativa. A análise crítica do discurso da instituição evidenciou seu compromisso com uma direção humanizada, que, sem dúvida, representa um passo histórico em sua trajetória. Este posicionamento revela que ao reconhecer a necessidade de adotar uma abordagem que prioriza as pessoas, a FAB não apenas evolui em termos gerenciais, mas também se coloca em sintonia com demandas organizacionais contemporâneas. Esse avanço, no entanto, é apenas o início de um processo que exige continuidade e consistência, tendo em vista que a reflexão sem ação constitui mero verbalismo. Sob a ótica das narrativas dos atores, a pesquisa delineia uma nova identidade profissional no âmbito militar, definida por indivíduos que possuem competências técnicas, cognitivas e comportamentais altamente desenvolvidas. Essa identidade, conceituada como identidade protagonista, transcende a visão tradicional de mero soldado instrumental. Nesse contexto, ao não obterem o devido reconhecimento da instituição à qual optaram por integrar, emergem três perfis distintos: continuidade ameaçada, continuidade acomodada e ruptura. Portanto, o contraste entre o discurso institucional e as narrativas dos militares revela uma tensão silenciosa. Tal tensão decorre da percepção de que a instituição falha em reconhecê-los como profissionais, negligenciando suas identidades. A natureza silenciosa dessa tensão manifesta-se no fato de que, em desalinhamento com a racionalidade institucional predominante, esses militares, em sua maioria, limitam-se a expressar apenas a intenção de evasão. Por este motivo, a pesquisa questiona a tese dominante que sustenta as práticas atuais de socialização e de gestão militar, fundamentadas na premissa de que os indivíduos, ao entrarem na instituição, devem despir-se de sua identidade pessoal para se alinhar de maneira unilateral à identidade organizacional. A antítese proposta argumenta que, no cenário contemporâneo, tanto a organização quanto os indivíduos influenciam-se mutuamente em uma dinâmica recíproca e relacional. Para alcançar o modelo de gestão integrado, a pesquisa propõe uma reestruturação substantiva nos processos de gestão da instituição, com foco nos pilares “conhecer, desenvolver e reconhecer” o seu principal ativo — as pessoas. Ao respeitar tanto os valores da organização quanto os dos indivíduos que dela fazem parte, torna-se possível harmonizar as racionalidades que orientam a ação humana e organizacional, promovendo o engajamento de profissionais qualificados e comprometidos.