Bakhtin, leitor de Husserl: em busca de paralelos temáticos entre a filosofia de "Investigações lógicas" e a teoria de "Para uma filosofia do ato".
Mikhail Bakhtin; Edmund Husserl; fenomenologia; antropologia filosófica; Investigações lógicas; Para uma filosofia do ato.
Resumo: A pesquisa que ora se apresenta, circunscrita no quadrante maior de um projeto investigativo a respeito das fontes etiológicas e das relações epistêmicas do pensamento de Mikhail M. Bakhtin [1895-1975], institui-se primeiramente como um movimento inicial de averiguação, através de um correlacionamento filosófico, de possíveis paralelos entre a filosofia que Edmund Husserl [1859-1938] desenvolveu em Investigações lógicas [IL] (Husserl, 2014 [1900]; 2015 [1901]); 1975 [1901]) e teoria programada por Bakhtin em Para uma filosofia do ato [PFA] (Bakhtin, 1993a [1986]; 1993b [1986]). Tem-se a intenção de avaliar sobretudo a dimensão em que é expressa uma determinada proximidade de dados tópicos filosóficos debatidos pela filosofia bakhtiniana de PFA com outros anteriormente fundados e defendidos por Husserl em IL, quais sejam: a) a crítica ao psicologismo, comum a ambas as filosofias e que se assemelham em um e outro ponto fundamental, conquanto se diferenciem fundamentalmente em outros; b) a ideia da existência de uma verdade absoluta, incondicional, irrelativa e objetiva, que se exprime na filosofia husserliana de IL pela expressão verdade em si e no pensamento bakhtiniano pelo seu conceito de истина (ístina [verdade incondicional]); e c) a dicotomia entre ato e conteúdo, que circunscreve o domínio fenomenológico em que é proposta e debatida por Husserl o problema epistemológico da correlação entre a consciência e a idealidade, tema retomado e subscrito por Bakhtin ao tratar da separação constitutiva e da possibilidade de conciliação arquitetônica entre o ato responsável (ответственный поступок [otviétstvennyi postúpok]) e o conteúdo-sentido (содержание-смысл [sodierjánie-smysl]). O que há como percepção inicial é a intuição de que muitos tópicos da filosofia de IL, ou parecem ter sido reelaborados pela incorporação epistêmica de Bakhtin, ou parecem ter-se transformados em fundamentos para que o filósofo russo, à sua maneira, então estabelecesse o seu caminho teórico de forma mais autônima, em consonância com os desígnios filosóficos que perfazem o projeto programático de antropologia filosófica que em sua obra parece ele querer instituir. Para fazê-lo, a princípio parte-se de uma discussão teórica a respeito das temáticas supracitadas da filosofia husserliana e das suas principais teses em que se materializam os temas em questão, sob o amparo de interpretações de pesquisadores especializados que destinaram atenção à sua doutrina filosófica (Soffer, 1991; Moran, 2000; Santos, 2010; De Santis, 2021). Em seguida, busca-se correlacionar a discutida posição de Husserl com a teoria filosófica de Bakhtin, com o fim de evidenciar as convergências e as divergências que constituem os traços em que é possível sustentar os paralelos no que concerne às temáticas de que tratam ambos em seus respectivos tratados. Apesar da sua característica filosófica, o mote central da presente dissertação, por meio de uma lógica interdisciplinar, é justificado sobretudo ao se tratar de um trabalho que almeja trazer às claras uma das mais importantes fontes filosóficas da teoria do filósofo russo, considerada ela essencialmente como um dos mais profícuos embasamentos de uma parte considerável das concepções que Bakhtin desenvolveu, tanto em PFA, quanto nos seus demais textos. Assim, deseja-se aqui abordar um assunto fundamentalmente filosófico com vistas à natureza do tratado bakhtiniano, mas com o objetivo de fornecer outras lentes interpretativas que possam vir a aclarar os debates teóricos instituídos por Bakhtin em suas obras a respeito da literatura, da cultura, da linguagem e do ser humano em sua integralidade e nas diversas dimensões da sua existência.