Pesquisa de Leishmania sp. em felinos domésticos em área endêmica de leishmaniose visceral canina
leishmaniose felina
imuno-histoquímica
necropsia
histopatologia
PCR
INTRODUÇÃO
As leishmanioses são zoonoses causadas por protozoários do gênero Leishmania sp. e podem ser agrupadas de acordo com critérios clínicos em leishmaniose visceral e leishmaniose cutânea. No Brasil a leishmaniose visceral tem o cão como principal reservatório, mas já foram descritas leishmanioses em diversas espécies de animais selvagens como morcegos, gambás (Didelphis sp) (CARREIRA et al, 2012), primatas não humanos (HAMAD et al, 2014), roedores (PÉREZ et al, 2015), além dos domésticos como bovinos e caprinos (SINGH et al, 2013), equinos (SOARES et al, 2013) e aves (MISSAWA, LOROSA, DIAS, 2008). Embora identificadas em várias espécies, não se sabe ao certo qual a importância de cada uma delas na transmissão e manutenção da LV em humanos o que torna necessária vigilância constante de possíveis reservatórios. A leishmaniose visceral possuem caráter crônico e insidioso e acomete indistintamente pessoas de todas as idades e sexo, porém crianças e idosos são mais suscetíveis. Em cães algo semelhante é visto e a manutenção da leishmânia no tegumento causa ulcerações importantes sendo propícia a transmissão via vetor hematófago. O papel dos felinos domésticos na manutenção da leishmaniose visceral nas cidades e em ambientes rurais ainda é incerto, mas se observa que em áreas endêmicas para cães e humanos, os casos em felinos tem aumentado (NOÉ et al, 2015; BEZERRA et al, 2019). Aspectos de resposta imune desses animais tem se mostrado por vezes dissonante dos cães e carece de maior investigação. Contudo as recomendações para diagnóstico em felinos são as mesmas voltadas para os cães. Em felinos as lesões predominantes são as cutâneas com manutenção de altas cargas parasitária e a Leishmania infantum foi a espécie mais identificada. No último censo realizado em 2013 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2013) atualizado em 2018 pelo Instituto Pet Brasil (Instituto Pet Brasil, 2019) via inteligência artificial, os felinos domésticos representavam 23,9 milhões de animais ficando atrás apenas de cães e aves. O diagnóstico de leishmaniose em cães é realizado no Setor de Patologia Veterinária da Universidade Federal de Lavras (SPV-UFLA) desde 2013, reforçando a importância da pesquisa de Leishmania sp. em outras espécies, incluindo felinos domésticos, para entender se estes animais tem importância na circulação desses protozoários na região.
OBJETIVO(S)
Investigar a infecção por Leishmania spp. em felinos domésticos através de técnicas de observação direta na histopatologia e imuno-histoquímica, e técnica molecular ( PCR), bem como associar aos sinais clínicos encontrados.
METODOLOGIA
Coleta em necrópsia e PCR
Para PCR, amostras de tecidos de felinos domésticos foram coletadas no período de 2017 a 2022 durante os exames de necrópsia realizadas no SPV-UFLA. Fragmentos de pele da face e região de escápula, baço, linfonodo cervical superficial, fígado, medula óssea, rim, intestinos, encéfalo, pulmão, coração, estômago e vesícula urinária foram coletados em solução de formol a 10% e processados para exame histopatológico de rotina para análise conjunta. Para PCR, amostras de pele de face, linfonodo cervical superficial e medula óssea foram coletadas em microtubos tipo eppendorf estéreis. Os microtubos foram acondicionadas a -18 ºC. A extração do DNA dos tecidos coletados foi realizada Wizard® Genomic DNA Purification Kit de acordo com instruções do fabricante. Para estimação da carga parasitária se utilizará primers Sigma-Aldrich, primeira reação com amplificação de 603 pB, (5’-3’)GGTTCCTTTCCTGATTTACG-GGCCGGTAAAGGCCGAATAG’. A amplificação dos fragmentos de 353 pares de bases do gene será utilizado (2ª reação) (5’-3’) TCCCTCGCAACCTCGGTT- AAAGCGGGCGCGGTGCTG. As amostras serão processadas em duplicata. O DNA será desnaturado a 95ºC por 10 minutos, e 40 ciclos para amplificação. A concentração de DNA da amostra será calculada por espectrofotômetro NanoDrop 2000 Spectrophotometer a 260nm e 280nm, após diluição de 1:1000.
Histopatologia e imuno-histoquímica
Amostras de tecidos de felinos domésticos serão avaliadas para histopatologia no período de 2011 a 2022. As amostras fazem parte do arquivo de tecidos emblocados em parafina do Setor de Patologia Veterinária (SPV-UFLA). A seleção das amostras será baseada no tipo de infiltrado inflamatório encontrado em pele e linfonodos superficiais observadas no exame histopatológico e, posteriormente, será realizada imuno-histoquímica nas amostras que apresentarem infiltrado inflamatório granulomatoso para detecção de Leishmania sp. Para a imuno-histoquímica será utilizado anticorpo primário policlonal anti-Leishmania, produzido em camundongos, proveniente do Laboratório de Doenças Infecciosas (LIM-50) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, na diluição de 1:400 e o anticorpo secundário será o universal da Dako EnVision® e o cromógeno VECTOR®NovaRED. O protocolo utilizado para a imuno-histoquímica será baseado no descrito por Tafuri et al. (2004).
RESULTADO PARCIAIS E DISCUSSÃO
PCR de animais necropsiados
No período de 2017 a 2022 foram realizadas 295 necrópsias de felinos domésticos. Foram coletadas para PCR amostras de 108 animais, dos quais foi realizada extração de material genético de 100 deles. O material extraído foi armazenado em freezer a -20°C. Em amostras de pele, linfonodo e medula óssea de dois animais foi feita a amplificação e identificação de material genético. Em uma das amostras de linfonodo cervical superficial foi positivo para Leishmania sp. No exame necroscópico do felino positivo em PCR de linfonodo cervical superficial, foi observado péssimo estado corporal (caquexia extrema). Tratava-se de um macho não castrado, com 5 anos idade. O animal apresentava lesões múltiplas em pele caracterizadas por áreas de ulceração úmidas e extensas em face, membros torácico direito, pelve e região escrotal, além de aumento de volume do escroto e em região infraorbitária direita. Os linfonodos superficiais estavam aumentados de volume com perda da distinção corticomedular. Na histopatologia foi observado em pele infiltrado inflamatório difuso acentuado composto predominantemente por macrófagos com citoplasma carregado de estruturas leveduriformes compatíveis com Sporothrix sp., além de extensas áreas de necrose. Em linfonodos o mesmo tipo de infiltrado descrito na pele com Sporothrix sp. intralesionais. Na medula óssea havia infiltração difusa de células linfoides neoplásicas compatíveis com linfoma. O diagnóstico de necrópsia foi de esporotricose e linfoma.
Em humanos a coinfecção esporotricose/leishmaniose cutânea foi descrita (AGUDELO, RESTREPO, VÉLEZ, 1999) e a relação entre casos mais graves de leishmaniose e a imunossupressão causada pelo vírus da imunodeficiência adquirida relatada em humanos (PINTADO, VÉLEZ, 2000; BURZA, CROFT, BOELAERT, 2018) é associada a mecanismos imunológicos compartilhados entre essas doenças, principalmente relacionados a presença de células dendríticas e macrófagos, que são importantes na evolução dessas doenças. Em felinos domésticos há correlação positiva entre a doença grave e retroviroses como a FIV (imunodeficiência felina) e a FelV (vírus da leucemia felina) (SOLANO-GALLEGO et al, 2007) ou maior propensão em adquirir a doença (SOBRINHO et al, 2012).
Histopatologia e imuno-histoquímica
No período de estudo (2011-2022) até a presente data foram recebidos 376 amostras de tecidos de felinos no SPV-UFLA, sendo destes 272 amostras de pele, das quais 72 apresentaram infiltrado inflamatório piogranulomatoso (macrófagos e neutrófilos) ou granulomatoso (macrófagos). Uma das amostras, proveniente do estado de São Paulo, foi recebida com diagnóstico sugestivo de leishmaniose felina (FeL) através do exame histopatológico com pedido de realização de imuno-histoquímica, a qual realizada apresentou marcação positiva para Leishmania sp.
CONCLUSÃO
Os estudos até agora realizados demonstraram a importância da vigilância através do diagnóstico em felinos domésticos restando fazer a correlação da FeL com outras doenças nesses animais e se há potencial para que sejam ou não considerados de importância epidemiológica em área endêmica para leishmaniose em cães e humanos.