RADIOIODOTERAPIA COM DOSES INDIVIDUALIZADAS PARA O TRATAMENTO DE HIPERTIREOIDISMO EM GATOS BRASILEIROS
Cintilografia, endocrinologia, iodo 131 , medicina nuclear.
Os primeiros relatos de caso de hipertireoidismo felino da literatura médica veterinária ocorreram em 1979 e 1980. Os pesquisadores descreveram um conjunto de casos de gatos apresentando perda de peso, polifagia, aumento da frequência de defecação, hiperatividade, taquicardia, nódulos palpáveis em topografia de tireoide e aumento da concentração da tiroxina (T4) (HOLZWORTH et al., 1980; PETERSON; JOHNSON; ANDREWS, 1979). Após quase 45 anos, a prevalência da doença aumentou consideravelmente, sendo considerada a doença endócrina mais frequente em pacientes felinos de meia idade a idosos em países como Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Austrália, Nova Zelândia e Japão (PETERSON, 2012; WAKELING et al., 2005). A etiologia mais comum do hipertireoidismo felino é a hiperplasia adenomatosa funcional e o adenoma benigno da glândula tireoide, enquanto o carcinoma de tireoide é a causa do hipertireoidismo em menos de 4,0% dos pacientes (LUCKE, 1964; MOONEY, 2001, PETERSON, 2012). A doença acomete ambos os lobos tireoidianos em, aproximadamente, 63,0% dos casos; ocorre de forma unilateral em 32,0% e multifocal em 4,0% dos gatos hipertireoideus (PETERSON; BROOME; RISHNIW, 2016).
As manifestações clínicas, apesar de características, são pouco específicas. Perda de peso, poliúria, polidipsia, polifagia, hiperatividade e taquicardia são comumente relatadas e ocorrem devido ao aumento da produção e concentração dos hormônios tireoidianos (CARNEY et al., 2016). O diagnóstico presuntivo é realizado a partir das manifestações clínicas, histórico e dosagens séricas de tiroxina (T4), triiodotironina (T3) e hormônio estimulante da tireoide (TSH). No entanto, felinos com hipertireoidismo leve ou que apresentam doenças concomitantes podem apresentar concentrações séricas de T4 e T3 dentro da normalidade ou até mesmo flutuações destes parâmetros. Da mesma forma, alguns gatos podem exibir concentrações elevadas dos hormônios tireoidianos na ausência do hipertireoidismo (PETERSON, 2013). Nesse cenário, a cintilografia de tireoide proporciona uma avaliação extremamente sensível para o diagnóstico do hipertireoidismo felino, uma vez que fornece informações sobre morfologia e função glandular a partir da captação de radiofármacos pelo tecido (DANIEL; BRAWNER, 2006; PETERSON, 2013). A cintilografia de tireoide é considerada o padrão de referência para o diagnóstico e estadiamento da doença em felinos e é o exame de escolha para detectar, delinear e caracterizar o(s) tecido(s) tireoidiano(s) hiperfuncional(is). A partir da cintilografia, é possível diferenciar doença unilateral vesus bilateral, avaliar o tamanho e a hiperfuncionalidade do tecido tireoidiano e, ainda, detectar a presença de tecido tireoidiano ectópico ou metastático (HARVEY et al., 2009; PETERSON; BROOME, 2015).
As principais possibilidades terapêuticas para o hipertireoidismo felino são: terapia medicamentosa, manejo dietético, tratamento cirúrgico e radioiodoterapia, sendo que a intervenção cirúrgica e a terapia com iodo radioativo podem proporcionar a cura da doença (MOONEY; RAND; FLEEMAN, 2007; PETERSON, 2006). A radioiodoterapia é um método de tratamento seguro e eficaz, que apresenta elevada taxa de cura (75,0 a 95,0%) do hipertireoidismo felino (PETERSON; RISHNIW, 2021). A terapia consiste na administração de iodo radioativo (I131) por via sistêmica, com o objetivo de provocar a morte de células tireoidianas hiperplásicas e hipersecretoras (FEENEY; ANDERSON, 2007; PETERSON, 2006). Os protocolos de radioiodoterapia comumente utilizados na medicina veterinária incluíam doses empíricas e fixas de I131 (3-5mCi) e ocasionavam elevados índices de hipotireoidismo iatrogênico pós terapia (FERNANDEZ et al., 2019; LUCY et al., 2017; MORRÉ et al., 2018; NYKAMP; ZARFOSS, 2005). Recentemente, dois estudos propuseram um protocolo com doses individualizadas de I131 calculadas a partir de um algoritmo que combinava dados fornecidos pela cintilografia da tireoide com a concentração sérica dos hormônios tireoidianos. Esses trabalhos demonstraram que o protocolo com doses individualizadas resultou em cura da maioria dos indivíduos submetidos ao tratamento, sendo que apenas 4,0% dos gatos desenvolveram hipotireoidismo iatrogênico definitivo (PETERSON; RISHNIW, 2021; XIFRA; SERRANO; PETERSON, 2022).
No Brasil, até o ano de 2022, a cintilografia não estava disponível comercialmente para utilização na medicina veterinária. Portanto, não era possível utilizar o protocolo de doses individuais. Após junho de 2022, a cintilografia de tireoide tornou-se um exame de imagem disponível para os médicos veterinários brasileiros e, com ela, a possibilidade de tratamento de gatos com hipertireoidismo utilizando doses individualizadas. A disponibilidade da cintilografia também permitiu a realização do diagnóstico e tratamento de neoplasias SHIM-RAD, conceito proposto por Peterson, Broome e Rishniw (2016) que combina parâmetros clínicos e cintilográficos e que sugerem o diagnóstico de carcinoma tireoidiano.